domingo, 2 de dezembro de 2012

Intervenção de Christopher Ross no Conselho de Segurança



O Conselho de Segurança reuniu 4.ª feira, 28 novembro de 2012, para ouvir o relatório de Christopher Ross, Representante Pessoal de Ban Ki-Moon para o Sahara Ocidental, após a viagem que realizou à região e a algumas capitais europeias entre 25 de outubro e 15 de novembro.

Sr. Presidente, distintos membros do Conselho,

É para mim um prazer reunir-me convosco, para os informar sobre as últimas novidades na procura de uma solução política e mutuamente aceitável, que preveja a livre determinação do povo do Sahara Ocidental, desde a aprovação da última Resolução do Conselho, a 24 de abril de 2012.

Depois de um período de reflexão, empreendi uma viagem há muito esperada, ao Norte de África, desde o dia 25 de outubro a 11 de novembro. No caminho de regresso, levei ainda a cabo consultas em Madrid e em Paris, de 12 a 15 de novembro. A minha visita à região tinha três objetivos: o primeiro, avaliar os cinco anos de negociação e determinar as razões do seu estancamento; segundo, olhar para o horizonte do processo para ver como se poderia modificá-lo a fim de melhorar as perspetivas de futuro; terceiro, medir o impacte dos acontecimentos do Sahel na questão do Sahara Ocidental. Para além destes objetivos, introduzi duas inovações: a primeira, reuni-me com líderes políticos e representantes da sociedade civil, para além de me ter reunido com os funcionários; a segunda, fiz a minha primeira visita ao território do Sahara Ocidental propiamente dito. Os governos de Marrocos, Argélia, Mauritânia e França, assim como a Frente Polisario e a MINURSO deram-me a sua plena cooperação e agradeço-lhes por isso. Agradecimento especial, também, me merece o governo espanhol, que generosamente pôs à disposição um avião para facilitar a minha viagem.

Sem entrar numa descrição detalhada de cada etapa da viagem, permitam-me expor-lhes as minhas conclusões e impressões gerais.

Primeiro - Em todos os pontos da minha viagem, as respetivas altas autoridades, confirmaram-me o seu compromisso de trabalhar com a ONU para procurar uma solução política para o estatuto final do Sahara Ocidental, e, ao mesmo tempo, reiteraram o seu apego às suas respetivas propostas. Em Marrocos, o rei Mohamed VI, reafirmou a disposição do seu país de continuar a trabalhar comigo no âmbito da sua proposta de autonomia sob soberania marroquina.
Em Tindouf, o secretário-geral da Frente Polisário, Mohamed Abdelaziz, reiterou a disposição da Polisario de intensificar o seu compromisso com a expectativa de que a solução inclua um genuíno referendo de autodeterminação. Na Argélia, o presidente Bouteflika disse, uma vez mais, que a Argélia não é, e nunca será, uma parte do conflito, no entanto, está disposto a acompanhar as partes na procura de uma solução. Dito isso, Bouteflika disse que qualquer acordo que não inclua um referendo genuíno não é, em absoluto, uma solução. Na Mauritânia, o primeiro-ministro, Laghdaf, reafirmou o desejo do seu país de se manter útil na busca de uma solução a partir da sua posição de "neutralidade positiva".

Ross e Mohamed VI

Segundo - Ao olhar para trás, para indagar dos motivos para a persistente estagnação, torna-se evidente comprovar que a frustração das partes aumentou. Cada uma das partes atribui a falta de progresso, não só à recusa da outra parte para negociar com base na sua proposta, mas, mais especificamente, à falta de uma ação decisiva por parte da comunidade internacional, o Conselho de Segurança, do Secretário-Geral e do Enviado Pessoal.

As partes não aceitam que a responsabilidade principal, para alcançar progressos, recaia sobre as próprias partes, mesmo no caso em que a comunidade internacional está disposta a incentivar o processo e dar ideias.

Enfatizei repetidamente este ponto, em todos os meus contatos com os partidos políticos e os representantes da sociedade civil, bem como com os funcionários, observando que, a partir do momento que a ONU aborda esta questão ao abrigo do Capítulo VI da Carta e na ausência de um consenso internacional, ninguém pode impor nada às partes e que depende delas, acima de tudo, encontrar o caminho a seguir no quadro proporcionado pela mediação da ONU. No entanto, uma ou outra vez, em cada etapa da minha viagem, foi-me dito que a ONU devia tomar esta ou aquela medida, sempre no sentido de levar uma das partes a aceitar a proposta apresentada pela outra. No meu papel como mediador, não posso ser um defensor de uma proposta específica. Eu defendo o processo de negociação.

Terceiro - A fim de encontrar o melhor caminho para alcançar progressos, os altos funcionários partilham a minha opinião de que, a curto prazo, é inútil convocar mais reuniões entre as partes, na ausência de uma mudança na equação. Depois de quatro rondas de negociações formais e nove rondas de conversas informais, realizar outra reunião só tornaria ainda mais notória a estagnação, debilitando ainda mais a credibilidade do processo.

Com a perspetiva de preparar as futuras reuniões, formais ou informais, propus às partes realizar mais consultas com os principais “players” internacionais, seguida de uma diplomacia silenciosa com as partes e os países vizinhos. Os meus interlocutores aceitaram esta abordagem, mas alguns advertiram que as reuniões regulares continuam a ser importantes na manutenção de contatos e minimizam o erro de cálculo, além de dar evidência clara de que o processo prossegue.

Ross reúne com ativistas dos DDHH nos territórios ocupados

Quarto - Ao examinar o impacte da crescente tensão na região do Sahel e do perigo que representa para todas as partes, descobri que, embora todos concordem que esses fatores aconselham a rápida solução do conflito do Sahara Ocidental, ninguém parece disposto a dar o primeiro passo. Em vez disso, deparei que a reação comum face aos eventos do Sahel, tem sido a de reforçar as defesas locais prevenindo a possibilidade de transbordamento do conflito da região do Sahel. Além disso, confirmaram-me que, na ausência de um acordo, as pessoas de toda a região, poderiam ser tentadas a aderir a um ou outro dos grupos no norte do Mali. Em Marrocos, os media falavam de uma conexão entre a Polisario e estes grupos, mas altos funcionários em Rabat e Nouakchott foram claros em dizer que não existe essa relação.

Quinto – A minha visita ao Sahara Ocidental merece uma menção especial. Como prometido, Marrocos, enquanto poder administrativo de facto, colocou todas as facilidades para a visita. E irei fazer visitas adicionais em devido tempo. Tive reuniões com uma ampla gama de saharauis pró-independência e pró-autonomia, assim como com as autoridades locais.

Claramente, tinham uma enorme vontade de falar comigo. Na verdade, a lista de pessoas com as quais eu não tive tempo de me reunir, supera a lista daqueles com quem me encontrei. Todos falavam com sinceridade evidente, mas não deve surpreender que eu não fosse capaz de determinar de que lado se inclina a opinião da maioria. Tudo o que posso dizer com segurança é que há porta-vozes evidentes em ambos os lados da divisão política. Os partidários de autonomia colocavam ênfase no desenvolvimento de cidades como El Aaiun e outras localidades sob administração marroquina, além de outros benefícios que veem nesta administração.

Os saharauis independentistas destacavam o que descrevem como as tensas relações entre o povo autóctone saharaui e os habitantes de Marrocos, as violações dos direitos humanos que veem na repressão policial e nas condições de detenção, prisão, julgamento e encarceramento, a ilegal exploração dos recursos naturais e a falta de empregos. E, de facto, realizaram-se manifestações pró-independência, com as subsequentes respostas por parte da polícia, muito perto de onde eu me encontrava e, também, depois da minha visita.

Neste sentido, chamou-me a atenção o facto de não haver saharauis nativos nos efetivos das forças de segurança de El Aaiún e noutras partes do Sahara Ocidental, todos eram oriundos de Marrocos. Durante a minha segunda visita a Marrocos, utilizei as minhas reuniões com as autoridades marroquinas para advogar uma mudança no equilíbrio das forças de segurança entre saharauis e marroquinos e melhorar a formação dessas forças no controlo de manifestações.

visitas entre famílias saharauis separadas
promovidas pelo ACNUR 

 Sexto - Durante a minha visita aos campos de refugiados, tive a oportunidade de reunir com a organização das mulheres pertencente à Polisario, com os estudantes e com as organizações juvenis. Os participantes realçaram a mesma frustração manifestada pelos líderes da Polisario no passado. Alguns participantes argumentaram que após 25 anos de esforços infrutíferos da ONU, era hora de voltar à luta armada. Outros sugeriram que, depois de não ter conseguido chegar a nenhum acordo, a ONU deveria simplesmente renunciar e retirar-se. Em Nouakchott, encontrei-me com alguns críticos da Polisario, que tinham abandonado a organização e estavam ansiosos para compartilhar as suas queixas comigo.

Sétimo – Dá-me consternação ver a forma como ambas as partes pretendem utilizar a minha visita para marcar pontos. As minhas declarações públicas têm sido muitas vezes censuradas ou exageradas para servir a agenda de uma ou outra das partes. Em Rabat, a TV editou as minhas declarações retirando a citação do texto do Conselho, que diz: "uma solução política, mutuamente aceitável, que preveja a livre determinação do povo do Sahara Ocidental".

Em Tifariti, onde visitei uma equipa da MINURSO, no lado leste do muro, um chefe militar da Frente Polisário, apareceu inesperadamente fazendo-me passar revista a uma guarde de honra em minha homenagem. Nos campos de refugiados, as minhas observações a um grupo de mulheres, foram retocadas e acrescentada uma frase, supostamente proferida por mim, sobre o papel da mulher: " A luta pela libertação do Sahara Ocidental" Ora eu não fiz tal declaração.

Um imenso trabalho de desminagem

Oitava - Uma vez que, em breve, o Representante Especial do Secretário-Geral, Weisbrod-Weber, os informará sobre as operações da MINURSO, tenho que aplaudir o alto grau de profissionalismo e compromisso que observei durante a minha visita à sede da MINURSO e às bases de operações de Mahbes e Tifariti e na minha reunião com a Equipe de Ação Anti-Minas da ONU. Ambas, MINURSO como a UNMAS, precisam de mais recursos para poder desempenhar as suas funções com mais detalhe. As unidades da MINURSO patrulham um território maior do que o Reino Unido, enquanto a UNMAS está a trabalhar no que foi recentemente considerado como um dos lugares mais infestados de minas do mundo inteiro.

Além disso, quero realçar o respeito dispensado ao Representante Especial, tanto na MINURSO como pelos marroquinos e os saharauis. Ele não tem uma tarefa fácil. Além de monitorar o MINURSO, é o Representante Especial do Secretário-Geral para o Sahara Ocidental. Como tal, espera-se que proporcione ao Secretário-Geral e ao Conselho, uma informação independente sobre o ambiente de trabalho da MINURSO no Sahara Ocidental. Este território, continua a ser um território não-autónomo, pelo que cabe à ONU velar pelo bem-estar da sua população, de acordo com o artigo 73 da Carta, além de reconhecer que Marrocos é a potência administrante de facto na faixa localizada oeste do muro e que a Frente Polisário desempenha um papel semelhante na faixa situada a leste do muro. Precisamente por este motivo, convidei o Representante Especial a assistir a todas as minhas reuniões no Sahara Ocidental.

Nono - Quanto ao programa de assistência humanitária do ACNUR, ouvi preocupações relacionadas com as contribuições governamentais e privadas aos refugiados terem diminuído consideravelmente devido à crise económica em curso. E alertaram-me para a necessidade urgente de mais ajudas. Quanto ao censo individual dos refugiados, que foi levantado de novo em Rabat, a Polisario e as autoridades argelinas disseram-me que o ACNUR está satisfeito com as estimativas sobre o número de refugiados que lhe facultaram e que os que defendem o censo individual estão motivados por considerações políticas. Numa reunião com os doadores, em Argel, não encontrei nenhum interesse em continuar a dar atenção a este assunto.

A espoliação dos recursos naturais saharauis

Décimo – Quanto às medidas de fomento de confiança, houve louvor universal para o excelente trabalho do ACNUR ao ampliar as visitas de familiares e aos seminários intra-saharauis, o segundo dos quais incidiu sobre o papel das mulheres na sociedade Saharaui, e que teve lugar em julho deste ano, nos Açores, com o generoso apoio do governo de Portugal. Logo depois, teve lugar em Genebra uma reunião sobre a promoção de medidas de confiança, em que as partes, os Estados vizinhos e o ACNUR analisaram os resultados da sua implementação, num ambiente muito cordial. E o único conselho que posso dar, se me for perguntado, é que é de pensar criativamente sobre a possibilidade de ampliar as medidas de construção de confiança, em particular, com mais seminários, mais visitas entre famílias em ocasiões especiais, e intercâmbios de jovens. Saharauis de todas as tendências políticas, tanto no Sahara Ocidental como nos acampamentos, disseram-me repetidas vezes que estavam ansiosos para ter mais contatos através do muro. E devem-se encontrar formas de incentivar isso, porque a passagem do tempo tem o potencial de mudar a perceção das coisas, mesmo na ausência de progressos no processo de negociações. Um obstáculo para isso é a falta de financiamento e, uma vez mais, pedimos aos doadores do passado e aos potenciais doadores para que contribuam, para que o ACNUR torne possível tais atividades.

Décimo Primeiro - Quanto à questão dos direitos humanos, cada parte utilizou a minha visita para registar queixas sobre as práticas da outra parte. Houve muitas visitas relacionadas com os Direitos Humanos no último ano, incluindo dois Relatores Especiais que visitaram o Sahara Ocidental, mas não nos campos de refugiados, segundo pelo menos uma ONG. Além disso, a filial do Conselho Nacional Marroquino dos Direitos Humanos de El Aaiún, disse-me que havia recebido um grande número de queixas e já realizara inúmeras investigações, mas ainda está à espera de respostas por parte das autoridades administrativas. O Direitos Humanos não fazem parte do meu mandato, mas o meu conselho, se me é solicitado, é declarar que cabe e este Conselho e ao ACNUDH decidir se a informação disponível justifica a sua atenção neste caso  e, em caso afirmativo, qual a melhor maneira de fazê-lo, considerando que qualquer abordagem a esta questão deve garantir os direitos humanos não só no Sahara Ocidental, mas também nos campos de refugiados.

A questão dos Direitos Humanos

 Finalmente, gostaria de dizer algumas palavras sobre o mandato informal que me foi conferido para promover a normalização das relações entre a Argélia e Marrocos. Em Rabat, o rei Mohamed VI autorizou-me a ser portador de uma mensagem para o Presidente Bouteflika, que, por sua vez, me autorizou, a levar de volta, uma mensagem de resposta. Ambas as mensagens, confirmam o desejo dos dois chefes de Estado de continuar o processo de melhoria das relações bilaterais por meio da expansão de visitas ministeriais bilaterais que haviam sido acordadas anteriormente. Além disso, ambas as partes têm identificado os problemas prioritários a serem abordados numa fase próxima. Irei continuar a promover a participação nestas questões.

Quanto à questão da União do Magrebe Árabe e ao apelo feito pela Tunísia para uma cimeira e realizar em breve, explorei o progresso da integração regional com Ben Yahia, secretário-geral da UMA e com os três Estados-Membros que visitei. Em princípio, todos concordam que se realize a cimeira, mas a Argélia adverte que, para garantir o sucesso, é preciso estarem bem preparados, através de uma série de reuniões setoriais que estão em andamento, mas ainda não foram concluídas. De acordo com a Argélia, uma reunião de cúpula sem uma preparação adequada, certamente leva ao fracasso da mesma.

Estes são, pois, os principais resultados e as impressões que recolhi na minha última viagem à região e durante a minha primeira visita ao Sahara Ocidental, tendo em perspetiva um período de consultas com os principais atores internacionais, uma diplomacia silenciosa com as partes e com a Estados vizinhos e novas visitas à região, incluindo o Sahara Ocidental para preparar a retomada das reuniões diretas entre as partes.

Como eu disse, em Madrid, o conflito sobre o estatuto definitivo do Sahara Ocidental prolongou-se por demasiado tempo. Se há alguns que acreditam que a situação é estável e que tentar encontrar a paz é arriscado, eu acho que isso é um erro de cálculo grave já que a região está ameaçada por extremistas, terroristas e elementos criminosos que operam na região do Sahel. Nestas novas circunstâncias, este conflito poderá, a prosseguir sem ser resolvido, gerar uma faísca de renovada violência e hostilidades que seriam trágicas para os povos da região. Deve ser resolvido e peço aos membros do Conselho e da comunidade internacional em geral que incentivem as partes a envolver-se em negociações sérias para pôr termo ao conflito.
Obrigado

(**) Tradução em português não autorizada a partir do texto em espanhol, traduzido do original em inglês por Haddamin Moulud Said.

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